segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Aveiro | Dias enormes...

Têm estado Sol. Um Sol que acompanha a neve que se farta de cair lá mais para o Norte, um Sol que não aquece mas conforta porque o Inverno devia ser sempre assim: frio e muito Sol.
Da janela do terraço consigo ver as salinas de Aveiro, aqueles quadradinhos abandonados, os terrenos pantanosos, os armazéns de sal transformados todos em bares e restaurantes. Imposições do progresso, valores mais altos de alevantam. Não estou agora para contrapor Camões. É trabalho ardúo, esse.

Estes dias são, em fatias iguais, o melhor e o pior da vida: o melhor que só o conforto do Sol nos sabe dar, um jornal e um café abatanado ao princípio da tarde na esplanada dos Arcos; e o pior que é a nostalgia das luzes e dos cheiros, dos chocolates, dos laços das prendas que antecedem o Natal. Inevitavelmente pensamos no que já passou, no que não soubemos cuidar e por isso nos foi levado. Eu, particularmente, retenho no pensamento, entre outras coisas menos fatais, o meu avô que morreu Março passado. O quanto ele era empreendedor, a quantidade de planos e ideias que ele cultivava, os recortes do jornal que me deixou (um caixote onde veio a televisão cheio de crónicas do Correio da Manhã, do JN e do Público sobre o 11 de Setembro, eis uma das relíquias), a sua enorme cultura e inteligência, que deprimiam qualquer intelectual. O seu contributo para o quadro dos meus valores perdura e todos os dias me constroi. "O que é que o meu avô faria?"

Não vou ler mais sonetos sobre os tempos da guerra em África, nem vou ter quem me faça secretárias exactamente iguais aos meus desenhos e muito menos quem mas deixe pintar de roxo. Não conheci até agora mais ninguém que saiba os poemas de Antero e Pessoa de cor nem que coleccione frascos de perfume vazios. Provavelmente não vou voltar a plantar morangos nem a enxertar uma espécie de pêssegos num pessegueio diferente e também não vou ter mais nenhuma casa na árvore. E se não fosse o meu avô eu não tinha nunca comido medronhos. Não tinha visto os Jerónimos, nem Marvão, nem o Castelo de Ourém nem o Palácio da Pena e o Castelo dos Mouros, nem o Mosteiro de Alcobaça e a Batalha e Óbidos que é tão lindo. O legado é palpável mas não o é a pessoa e toda a gente sabe que um legado, por muito nobre, perece em comparação com um abraço.

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