terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Aveiro | For old time's sake...

Estou sempre a pensar nessa enormidade de certeza que te acimenta a alma e aguça o desejo e o paladar por dias em outras paragens. Esse fascínio embaciado que é descobrir outra pessoa.
... Eu aqui ajoelhada, com a cara entre as conchas das mãos a dizer que me dói a cabeça terrivelmente e a saber já que nunca me dói a cabeça e:
- Será que não sabes que nunca me dói a cabeça?
Amanhã, dizem, vai estar um tempo abafado de trovoada eu gosto de trovoada no teu carro, a fumar, ao pé da nossa casa e do antigo sétimo que também podia ser nosso. A nossa praia de Inverno, as tábua do palanque molhadas e queixosas. Quantos mais dias de Sol atravessarei com frio? Invejo com ganas de dentes cerrados as almas plácidas e pouco expectantes que vão sabendo nutrir-se daquilo que vem com a passagem das horas e a morte adiada da passagem das horas. Se me sento na Sereia e fecho os olhos vejo as estações do ano a passar com o exagero cénico das cores acentuadas - as estalactites a pingar das arestas de pedra de tudo, o calor fugidío, menos pessoas e vários tons de castanho - nóz, nóz moscada, amêndoa, café...

domingo, 28 de dezembro de 2008

Aveiro | ... Steppin' out the car with that look in your eyes knowing that you never looked so beautiful ...

... Eu aqui sentada ante luz alaranjada, antes do príncipio, parece-me, de tudo. A luz que me dá cores ao rosto apagado do frio e de pensar. Eu aqui e tu não sei o que me disseste a última vez que falámos foram banalidades com utilidade quotidiana. Um problema dos ex-amores para o outro é este de como todas as palavras se tornam diálogos de amigos pouco cúmplices. Mais conhecidos que se obdecem no código do bom-senso.
... Eu sem te voltar a dizer o que sinto mas também sem conseguir não te olhar como quando se sente mais que banalidades. Com os meus amigos vou somando silêncios que duram horas de conversa estagnada e estéril.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Aveiro - Coimbra | A questão do Sol de Inverno...



O António Variações é que sabia, sabia mesmo esse senhor:

" Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
P'ra não chegar tarde
Não sei de que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão..."

E segue com mais palavras de uma sabedoria sem artifícios ou metáforas intransponível que não podemos negar, aquelas que toda a gente conhece e em que toda a gente já pensou "... só estou bem onde não estou ... "

Coimbra é hoje mais influente na minha personalidade e na minha conduta do que eu gostaria de admitir porque sempre achei um exagero a reverência que se presta á cidade dos universitários que, hoje em dia pelo menos, pouco mais fazem que regurgitar o álcool que ingerem em quantidades industriais...

De facto, estou hoje (e outros dias como hoje) tão melhor na Sé Velha a ler, no Tropical a apanhar Sol no andar de cima durante o tempo mísero em que o Sol bate na mesa para dois ao pé da janela. Foi uma coisa que fui aprendendo em Coimbra. As horas do Sol de Inverno. Escolher o caminho conforme os raios egoístas que tingem de amarelo apenas metade da Rua da Moeda. Tomar café na esplanada da Toledo entre a uma e meia e as duas da tarde, quando o Sol é forte ao ponto de nos impossibilitar de ler em fundo branco mas não esbate essa insegurança que vem com o ar que se respira na cidade dos grandes Homens de Letras...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Aveiro | E tu já quase nada...

... E tu já quase nada não fosse aquela música ridícula que a rádio passou e eu não pude mudar. Eu com medo do verso seguinte, medo que se provou fundamentado, do outro verso, de mais um, daquele ritmo que o gajo dá, aquela frase. Tu já quase nada e eu a querer mentir a mim mesma. Se é assim, o que faz esse espectro de contornos brilhantes á minha volta todo o dia? Perpétuo no legado e na consciência, longe na realidade. Tu já quase nada e eu:
- Voltaste?
Sabia que não ias voltar. Engrandeci-me de voos míupes, á falta de objectos tangíveis que me pudessem confortar. Não há. E tu, que eras, és agora quase nada.
Estavas naquela moldura que arrumei num sítio que não me lembro quando arrumei o quarto desta última vez. Estavas comigo e eu era a única que tinha aquela classificação a que se junta qualquer coisa incondicional.
Uma gota de sangue que demora a libertar-se da ferida que nem dói por aí além mas que faz uma certa impressão de ser aquilo, de ser sangue, de se saber que o sangue existe e está a sair de nós.

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Aveiro | Dia 25... vulgo, Natal

Aveiro sempre deserta já se sabe. A um Domingo normal precisamos de esperar para ver passar um carro imagine-se na noite de Natal. Só as colunas com as músicas da época e os anúnicios ás vidrarias, pastelarias, talhos, empresas de instalações eléctricas, the usual. Quanto a mim, com a Nikon topo de gama, cortesia da minha mãe, e uns phones gigantescos que me agasalham o cérebro de toda a gente , vou por aí aos flashes aos sítios e nunca aos protagonistas.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Aveiro | Have yourself a merry little something...

Abri agora todas as prendas que me deste ao longo de três Natais, mais de 24 dias especiais (um em cada mês) e quatro aniversários. Mais umas mariquices manifestamente inúteis mas que eu na altura achei a maior piada. Lugares-comuns dos apaixonados. Mesmo que hoje me seja legítimo questionar pelo menos 8 desses tais 24 dias especiais, é bom continuar a sofrer por nunca ter amado perdidamente mais que 3 desses 24 dias especiais. Porque á distância deste tempo todo, tudo é sempre tão pouco.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Aveiro | Dias enormes...

Têm estado Sol. Um Sol que acompanha a neve que se farta de cair lá mais para o Norte, um Sol que não aquece mas conforta porque o Inverno devia ser sempre assim: frio e muito Sol.
Da janela do terraço consigo ver as salinas de Aveiro, aqueles quadradinhos abandonados, os terrenos pantanosos, os armazéns de sal transformados todos em bares e restaurantes. Imposições do progresso, valores mais altos de alevantam. Não estou agora para contrapor Camões. É trabalho ardúo, esse.

Estes dias são, em fatias iguais, o melhor e o pior da vida: o melhor que só o conforto do Sol nos sabe dar, um jornal e um café abatanado ao princípio da tarde na esplanada dos Arcos; e o pior que é a nostalgia das luzes e dos cheiros, dos chocolates, dos laços das prendas que antecedem o Natal. Inevitavelmente pensamos no que já passou, no que não soubemos cuidar e por isso nos foi levado. Eu, particularmente, retenho no pensamento, entre outras coisas menos fatais, o meu avô que morreu Março passado. O quanto ele era empreendedor, a quantidade de planos e ideias que ele cultivava, os recortes do jornal que me deixou (um caixote onde veio a televisão cheio de crónicas do Correio da Manhã, do JN e do Público sobre o 11 de Setembro, eis uma das relíquias), a sua enorme cultura e inteligência, que deprimiam qualquer intelectual. O seu contributo para o quadro dos meus valores perdura e todos os dias me constroi. "O que é que o meu avô faria?"

Não vou ler mais sonetos sobre os tempos da guerra em África, nem vou ter quem me faça secretárias exactamente iguais aos meus desenhos e muito menos quem mas deixe pintar de roxo. Não conheci até agora mais ninguém que saiba os poemas de Antero e Pessoa de cor nem que coleccione frascos de perfume vazios. Provavelmente não vou voltar a plantar morangos nem a enxertar uma espécie de pêssegos num pessegueio diferente e também não vou ter mais nenhuma casa na árvore. E se não fosse o meu avô eu não tinha nunca comido medronhos. Não tinha visto os Jerónimos, nem Marvão, nem o Castelo de Ourém nem o Palácio da Pena e o Castelo dos Mouros, nem o Mosteiro de Alcobaça e a Batalha e Óbidos que é tão lindo. O legado é palpável mas não o é a pessoa e toda a gente sabe que um legado, por muito nobre, perece em comparação com um abraço.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Aveiro | Agora que tudo é consciência...

Hoje fui á festa de Natal da minha irmã mais nova. As actuações do costume, num pavilhão com poucas condições, jogo de luzes e som em franca dificuldade de coordenação e os miúdos, uma ternura, muito mal ensaiados. Mas a beleza da festinha nada tem a ver as variedades que as crinaças lá vão mostrar.

Os participantes estão divididos por grupos. Os mais pequeninos e depois os pré-adolescentes, de 12 anos, 13 no máximo. Atrás de mim estavam talvez 3 raparigas. As idades seriam essas. No palco, um rapaz cheio de pinta cantava o Homem do Leme. De guitarra eléctrica (ele pertencia ao grupo dos que estão inscritos nas aulas de guitarra do colégio) acompanhava, muito martirizado, a melancolia dos acordes. Olhares dirigidos ao fundo da sala onde não estava ninguém, gestos repentinos com a cabeça para afastar as madeixas louras dos olhos.

A beleza destes encontros da juventude é, para nós, seres conscientes do mundo lá fora destas idades, a angústica no seu estado mais concentrado. Uma das raparigas está a passar mal com alguma coisa. Afogueada, respiração entrecortada por soluços. Ouço as amigas "Patrícia ele disse ao Renato que não gostava de ninguém, tem calma." e a pobre diz: "Eu sei que ele gosta da Claúdia, ela vai dançar hip-hop a seguir...ela...ela...ela é bué de linda".

Se eu pudesse ainda lhe dava dinheiro para ela me dar esse sofrimento.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Aveiro | ... As figurinhas ...

Eu não sou de espartilhar o Jornalismo entre conceitos académicos amplamente descritos nos livros da communication research que, sendo fundamentais, por vezes descuram aquela pequena patologia da sociedade democrática que é... dar opiniões. É uma coisa que dá nas pessoas, pronto! De qualquer forma, e volto a sublinhar, sem demagogias, há coisas que podiam optar por se fazer de outra forma. Um jornalista há-de ser tudo menos uma pessoa sem opinião. Têm-na em stock, como Fords na Grande Depressão mas o seu escoamento não deve ser feito levianamente. Outra coisa que o Jornalismo não é, é uma profissão onde se possa "abandalhar", onde o rigor seja dispensável, onde se possa talhar caminhos e "ver no que dá". Há que antecipar as consequências do que veículamos porque o público não é uma massa acéfala que mal tem ideia formada sobre que azulejos por na casa-de-banho quanto mais sobre a ditadura da Bielorússia. Não é isto que se passa e as queixas atentas que chegam aos (poucos) provedores são disso um exemplo.

O telejornal de Sexta-feira na TVI é quase sempre uma surpresa. Toda a gente conhece o estilo de Manuela Moura Guedes e a humildade impede-me de prosseguir com quaisquer críticas mas O espaço informativo de hoje (assim mesmo, O espaço, porque o telejornal é "uma instituição" na programção televisiva, um género que fornece o grosso da informação diária á maioria da população) ultrapassou as minhas expectativas. Na conversa habitual com Vasco Pulido Valente, a pivot exagerou no comentário. Descontando umas contribuições menores, a certa altura, quando questionava o comentador sobre a recente certeza de que Pedro Santana Lopes irá representar o PSD na corrida á Câmara de Lisboa, Manuela Moura Guedes disse: "Quem mais poderia ser? Não vamos pensar no Morais Sarmento ou em outras figurinhas que por ai se falou." Está certo então! Cabe aqui aquela frase emblemática das séries de advogados - "I rest my case!" Claro que se entende o que a jornalista quis dizer mas vamos lá concordar que para comentar está lá o Valente.

Um pouco mais a frente a pivot disse: "Ó Vasco isto da política é uma coisa muito estranha. Até há bem pouco tempo havia a polémica de Manuela Ferreira Leite nem ter votado em Santana Lopes pr'ó Governo e agora apoia a sua candidatura á Câmara." Pulido Valente retorquiu: "A Drª Manuela Ferreira Leite não tem jeito para a política". A jornalista reforça: "Pois não."

E estamos nisto. Paga-se a um comentador para isto. O valor de Manuela Moura Guedes enquanto jornalista não é o que está aqui em causa. O que está em causa é o aligeirar de um espaço que devia ser exímio no distanciamento do jornalista face ás questões que ali se discutem porque já não o é em quase sítio nenhum. É desejável que, e parafraseando o meu professor e ex-jornalista João Figueira, "nos anulemos enquanto elementos enunciadores". A neutralidade é um mito mas a isenção está de boa saúde e recomenda-se.

Aveiro | Sonhos como acidentes de percurso...

Agora já não posso voltar atrás. Está aqui empedrenido como se aqui estivesse já há várias décadas. Fossilizado. Prisioneiro. Ao mesmo tempo que te nego o gosto de saberes de mim, vou compartimentando o meu devaneio itinerante entre aquilo que posso e não posso partilhar contigo sobre mim, com os outros sobre ti. Porque já não existes e agora nem posso pedir-te conselhos. Inúteis e a ti adaptados e ao teu pragmatismo irritante. Aprendi que os nossos problemas, ao sê-lo, são para nós intempéries e para os outros dias com menos abertas. Não insisto em tentar fazer-te ver o quão hipócrita estás a ser ao concordar com o contrário porque dizes que gostas de mim. Dizes-me:
Os teus problemas são os meus.

Um dia vais sentir-te como eu, perturbado mais contigo do que com qualquer outra pessoa. E isto, tão pouco, sou eu. Mais focada no que ainda não fui no meu sonho paredes meias com segredo do que naquilo que se calhar um dia tivemos oportunidade de criar juntos. E sei que não foram dias com poucas abertas. Quero que saibas que vais ser um grande artista. Sempre soubeste ver beleza onde ela não existe.

Vou esquecer-me do tempo que houve entre a primeira vez que foste cordial (e não mais que isso) e hoje - o dia em que sei que não amei nunca nada com violência. Da mesma forma, nunca ninguém assim me quis. O mundo não está mal feito. Só mal explorado.

Um dia, quando conseguir aceitar que não vou viver uma história de amor vou revirar-me nas minhas próprias entranhas a tentar fazer o tempo voltar ao dia em que ias passar da cordialidade ao gesto e eu te detive, por milímetros, de me pores na cara a mão em forma de concha.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Coimbra | ... E este jornalismo, já não há em stock?

O que todo o jornalista espera da vida é ir cobrir uma história sobre cinco patifes que assaltaram um hotel e descobrir que afinal eram cinco dos melhores amigos do Presidente em funções, a por microfones nos escritórios da oposição. Pois era. Era uma festa mas, como dizia o outro num anúncio a um refresco tipo chá gelado, “dizem que os sonhos é para quando se está a dormir”. "All the President Man" é a história dois repórteres do Washington Post que, com a perseverança que a investigação exige e uma fonte anónima que até era fidedigna, vá-se lá saber como... lá conseguiram passar imensas noites sem dormir a ler dossiês infindáveis escritos com letra miudinha e falar com altas patentes do Governo que os queriam era calados. E podiam tê-lo feito á força, sem problemas. Toda a gente sabe que em 1970 ainda não havia os craques do C.S.I. Um típico caso que valida a sabedoria popular – é mais sorte que juízo.

Coimbra | O desassossego (que por sinal parece estar sempre a impedir-me de postar a tempo e horas)

... Nasci num tempo em que a marioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido - sem saber porquê. Em geral sou uma criatura com que os outros simpatizam mesmo com um vago e curioso respeito mas nenhuma simpatia violenta desperto. Hesito em tudo, muitas vezes sem saber porquê. Errei sempre onde ninguém erra; o que os outros nasceram para fazer esforcei-me sempre por não deixar de fazer.

Para sentir a delícia e o terror da velocidade não preciso de automóveis velozes nem de comboios expressos. Basta-me um carro eléctrico e a espantosa faculdade de abstracção que tenho e cultivo e não me choca a interrupção dos meus sonhos: de tão suaves que são, continuo sonhando-os por trás de falar, escrever, responder, conversar até.

E assim sou, fútil e sensível, capaz e impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis mas nunca um sentimento que subsista, nunca uma emoção que continue e entre para a substância da alma. Tudo em mim é tendência para a seguir ser outra coisa. Tudo me interessa e nada me prende.

Se eu dia suceder que, com uma vida firmente segura, possa escrever e publicar, sei que terei saudades desta vida incerta em que mal escrevo e não publico.

Colagem do Livro do Desassossego de Bernardo Soares que descrevia, sem saber, a minha vida, a minha banalidade, a minha falta de apego, a minha mania de sofrer por antecipação.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Coimbra | Umas linhas de um trabalho... 'pá posteridade...

Caótico. Automóveis e diligências cruzam-se com multidões que atravessam as passadeiras.
O trânsito está caótico. O escândalo é um modo de vida. Os parisienses acertam o passo pelo batimento cardíaco da cidade, caminham com esta pressa que fica bem á modernidade.

O sol gélido de Novembro ilumina as calçadas limpas e reformadas de uma cidade onde começa a triunfar a higiene e a ciência. Passos automatizados. Dezenas de operários rasgam as primeiras boulevards. Algumas mulheres vestem tailleurs comme les garçons para facilitar as manobras na bicicleta, outras usam espartilhos de onde brotam os folhos das saias em forma de sino que lhes tapam os indecorosos tornozelos. É a indumentária que lhes rouba a agilidade dos corpos esbeltos.

Em frente ao Moulin Rouge a nossa imaginação fabrica o som do rolar da película dos filmes antigos e, inevitavelmente, descrevemos 360º no mesmo sítio para abarcar, num folgo, toda a agitação.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Aveiro | ... O conceito de vanguarda...

... a palavra vanguarda é, na sua origem, um termo
militar que designa a força avançada de um pelotão, os que atacam primeiro e primeiro
são atacados, os que enfrentam o inimigo antes de todos e, por isso, mais expostos
estão. No entanto, assim como acontece com os militares, os heróis da vanguarda das
artes e das letras não são, necessariamente, mais fortes e valentes que o resto da tropa.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Aveiro | Teoria, teoria, teoria...

A teoria existe como ponto de partida, como base de apoio ás mais diferentes actividades mas no jornalismo acaba por se revelar sempre menos determinante do que, por exemplo, no exercício da medicina. Um médico não pode confundir a aorta com a jugular mas um jornalista pode perder-se em mais situações do que aquelas em que me posso permitir ponderar agora, a poucos minutos da minha primeira entrevista.

Aquilo que devemos ler nunca acaba. Há um número finito de manuais de anatomia, por muitos que existam, mas não há uma área que um jornalista possa negligenciar. Uma única fatia da História, um único nome da política actual que possamos esquecer. Não existe um número suficiente de escritores para conhecer, nem uns géneros literários menos importantes que outros. Não há jornais nem revistas sobre os quais possamos ter preconceito, não há ruralidade que possamos desprezar nem uma cidade onde não haja uma história de um anónimo para contar.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Aveiro | Expectativas frustradas...

Acontece todos os dias. Dos mais inofensivos ensejos matinais muito poucos são os que concretizamos durante o dia que dura sempre tempo demais. 24 horas são quantidades terríveis de desilusões ou, na melhor das hipóteses, de realizações parciais que subtraem mais do que acrescentam.

Acontece mais vezes do que aquelas que paramos para pensar nisso e ainda bem que não pensamos tanto. Uma resposta que sabiamos e não dissemos por falta de confiança nas nossas capacidades as quais questionamos mais do que qualquer professor. Um par de brincos que passamos mais tarde para comprar e já não estavam na loja. Um livro que ficámos de emprestar mas estava tanto frio para sair de casa. As nossas sapatilhas preferidas que já estºao demasiado rotas para escapar ao olhar reprovativo (e fundamentado) dos outros adultos que nos recusamos a ser.

Um amigo que fez das nossas palavras um uso que não lhe pedimos, uma confidência dita em confidência a um estranho terceiro. Aquela prenda, que até era barata e que ninguém nos comprou porque ninguém nunca nos ouve falar das coisas mais simples (e pior, das mais graves). Um trabalho para a faculdade com um tema que o professor conhece bem e para o qual nunca nos vamos conseguir documentar a tempo e horas. Uma cidade-vanguarda demasiado efervescente para o nosso léxico tradicional.

A falta de consideração de quem pensávamos gostar de nós é, contudo, a pior das frustrações. Aquela frase que pudia ser desculpável a quem não nos conhecesse tão bem. A escolha daquele sítio particular onde sabes tão bem que não quero ir. Um amigo não nos deixa aquela sensação de que nos estamos a queixar de picuinhices estéreis mesmo quando, de facto, estamos.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Aveiro | ... Realidade imutável

... Assumo o risco de soar fatalista e imaturamente insatisfeita e incompreendida mas está díficil encontrar um lugar neste Dezembro frio. Povoado está ele. Povoadíssimo como o Pavilhão Atlântico para ver Tokio Hotel. A chuva não redirecciona niguém. Impõem-se as conveniências próprias da quadra.

O que será este Natal sem ti? Eu ocupo o teu lugar na mesa, por birra, mas não tenho o teu peso na família, nem a tua agilidade com as palavras. Tu bem quiseste que eu a herdasse. Por isso me deixaste a biblioteca lá de cima. Centenas de volumes - de Camilo a Boudlaire, passando pela enciclopédia LOGOS até aos volumes do Público de toda a história mundial. Ou vai ou racha. Pode é rachar por me faltar a perseverança que te caracterizava. Mais uma coisa que não levo para a mesa nesse dia. Ocupo o teu lugar na mesa mas não a consigo fazer sentir menos abandonada. Nós sabemos que o companheirismo é a condição mais difícil de se abdicar. A partir de uma idade, a maior provação do ser passa por jantar sozinho, adormecer sozinho, poder ter um enfarte sozinho. Aquela apneia do sono pode ser finalmente mais do que um sonho em que nos estamos a engasgar com sumo ou com o pó que a vassoura levanta ao limpar as folhas do pátio.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Coimbra | Insensibilidade é bom senso... Capítulo I

Hoje quando sai de casa pensei em ti e desgastou-me aquele vento dos abandonados. Nas margens recém construídas da ria sopra aquela brisa que denuncia sempre problemas maiores. Culpo-te porque me roubaste ao colo quente da ignorância, escolheste dizer a verdade sem qualquer fim ou propósito. Hoje sai de casa e pensei que só tu me podias por bem. Sai e pensei que poderias. A tua indiferença é uma forma velada de um egoísmo doentio que não te deixa ver o quanto dependes de tudo aquilo que tomas como adquirido. Não nutres. Não cuidas. Já não. Podia dizer dos tons, dos cheiros e das texturas, dizer mais uma vez o que já foi dito mais uma vez mas é inútil quando a simbiose de dois mundos se negligencia. Não nutres. Não cuidas.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Coimbra | ... O fim das sensações virgens

... E vai tudo desaparecer como as confidências de um qualquer de nós nos cadernos desorganizados do psiquiatra. Temos que ter terapia. Convencionou-se.Num espasmo de desejo alarve que já devia saber controlar, deixo a ofegante lua, que luta secundária e sozinha para iluminar a noite, ser a constante companhia para uma insensatez que não quero ainda perder. Deixo-a lembrar-me que é bom estar desconfortável. Sei que a minha força é uma parte raquítica de mim.

Causa de morte: auto-analise.

Dia atrás de dia mais ruas se estreitam, mais olhos cansados, noites laças e desprezo, dores do corpo e do pensamento, vícios sórdidos mas entediantes. Sons repetidos, mais memórias amargas. Até já não existirem mais sensações virgens.

Aveiro | dia 8, isto foi dia 8 ... um feriado ... quem diria?

... Estendo o braço para fora da janela como faço sempre no prazer de fumar, talvez já tenha idade para ser mais do que sou. Sei que existe tudo longe de mim, que já alguém possui, à partida, vantagens sobre a concretização de sonhos que são só meus, ilusões que nunca serão mais.

Causa de morte: ter a certeza.

E amanha serei o mesmo nada? Serei sempre assim, invertebrada? Lúcida mas incapaz? Sem coragem para interagir e perguntar o que se passa, o que me falta, subtraio-me da realidade e fico atrás da montra. Há episódios bonitos na antecipação do momento mas no momento são choques em cadeia, pára-choques destroçados, vidro esmigalhado, sirenes, veias abertas, coma.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Aveiro | desalinho; desarranjo; desarrumação; desordem;

... A mão do barman a aproximar e a afastar o copo de fino da torneira da máquina, uma rapariga que acende um cigarro, as mãos entrelaçadas de um casal que acabou de entrar são planos de corte. Volto a focar a nossa conversa entremeada de empurrões e sussuros, aquilo que não ouço esbate a unidade do teu raciocínio. A derradeira conversa que eu não estou a acompanhar, as derradeiras conclusões (de certo premeditadas e sensatas) que eu não estou a absorver.

Engraçado que quando me explicas qualquer coisa nunca é aquilo que eu achava que me querias explicar, é sempre uma insinuação de superioridade em forma de precaução para “evitarmos de nos chatear uma próxima vez". Isto é o mesmo que dizer que caso eu nao acate pacata a tua advertência está a noite estragada. Por isso é que já lhes perdi a conta. Durante um tempo senti-me uma namorada em versão trial.

Durante todo este tempo tu continuas a falar. As palavras que vou ouvindo constroem uma estrutura débil de argumentos pouco claros e pouco corajosos da tua parte. Pelo menos é isso que me parece. Puxas-me irritado, para mais perto de ti, e ouço-te claramente:
- Tens cigarros contigo?
Dou-te o maço e permaneço mais perto para tentar ouvir-te com mais clareza. Quero, ao menos, ser um espectador atento do final dos meus dias.

É uma tortura. Uma exposição continuada a algum vírus que, não te matando, vai esgatanhado os tecidos celulares muito antes de saberes o que diabo te está a causar tanto mau estar.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Aveiro, 6 de Dezembro O8 | Perdi o dia á procura do Português que não encontrei...

When the city trembles awkwardly
No prudes
And you can only conquer what is only mundane
Make a girl beautiful
I can still smell all the grudge
And I can still see all the veins in your neck
It's me that I forgot how to tease

The child I was today at breakfast
Well reality succeeded yet once more
I used do scream
Now I murmur and it does nothing for me.

Manners?

I still wait for disapproval
Something else rotten
Someone else tremendously offended by things I know nothing about
The biological need of creating something
Something else rotten
Bed sided

Aveiro | 5 de Dezembro (sim, sim, são 5 para mim que ainda não me deitei) O8 | Pano para mangas...

...Mas vá, muito a medo, lá olhei para ti a saber já que no teu olhar não ia encontrar a mesma expectativa. Fui eu que assim quis e agora vou sair de casa lá lárá lá lá, a saltar de um pé para o outro, que é como quem diz a saltar de mais uma reincidência para mais um "eu bem te avisei".

Vou sempre frustrar-te as expectativas. Vai daqui sabendo que ao menos te dei uma mostra válida da minha raquítica sinceridade. Por muito simples que sejam garanto-te que vou arranjar maneira de não conseguir cumprir as tuas exigências. Vai daqui sabendo que, mais do que muitas vezes, a minha indolência vai sobrepor-se á minha vontade de te fazer o jantar. Nunca vou achar que já passou tempo suficiente desde que pus a roupa a aquecer no aquecedor porque, no fundo, não há razão para sair para te ouvir não gostar de nada do que eu digo. Se vezes há em que nos vemos é porque venci a mândria e respeito-te por isso. Ajudas-me a vir ver se a meteorologia confere. Não confere.

O meu egoísmo vai-me fazer fazer de propósito para me esquecer da hora do autocarro porque os meus vícios prendem-me mais que os teus braços. A minha obstinação e a minha insolência cedo vão deixar de ser "traços de uma personalidade forte e exclusiva" para passarem a ser traços de personalidade de alguém que é apenas insuportável, olhe-se de que ângulo se olhar. Somos intransigentes com os estranhos. Eu vou sempre ser muito mais amante que amor. Eu nunca vou duvidar de nenhuma palavra que me digas mas já estou á espera que duvides de mim e não vou nunca poder fazer nada para te provar que te sou fiel porque tu vais deparar-te com inúmeras coincidências que me vão fazer parecer culpada. Eu sei disto tudo em antemão. E toda a gente sabe o mesmo se der o corpo ao manifesto da imutabilidade. E depois vais por aquele olhar colérico, convencido de morte que estás que eu estou a esconder alguma coisa. Não estou. E depois eu vou tentar explicar e tu vais por um outro tipo de olhar não menos repugnante que é aquele "Sim, sim, fala p'raí que eu filtro metade do que tu dizes num coador fininho", enquanto pensas isto reviras os olhos e principias afazeres banais como se só o que tu tinhas para dizer fosse importante.

A minha confiança nunca será afectada mas tu vais deixar de gostar de mim porque vais passar horas a tentar construir um ponto de vista que eu vou alagar em lágrimas de negação (preferia falar mas...). E eu só choro quando sei que a demonstração da dor serve algum propósito futuro de evitar talvez outras dores.

E tudo isto porque não te amei? Não. Tudo isto porque quero ser trágica e infame para me amares assim, um farrapo pálido, para poder mudar sem passares a vida a pedir-mo porque eu não suporto que passes a vida a pedir-me para mudar.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Coimbra, 4 de Dezembro O8 | Por algum motivo, foi assim que acordei hoje...

Ainda que tente, com um zelo que a quem ele não falha não entende, o adjectivo foge-me. Vai-se esbatendo, esbatendo… cerro o sobrolho e os punhos, puxo, puxo, pulsa o sangue nas veias das têmporas e desapareceu. Não o adjectivo, apenas um que qualifique parcialmente aquilo que apenas parcialmente sinto. Não sei o que me roubou à beleza feroz de conseguir sentir. O apaixonante desgaste de estar a sofrer e não por isto. O abandono, a quase facilidade que é sofrer por outra coisa qualquer. Qualquer outra coisa qualquer. Sentir com mandíbulas insaciáveis. Tão útil como um pêndulo de usar ao pescoço que aquele alguém nos deu no único dia da vida em que nos sentimos alguém. Tão útil como aquela escada gasta de um prédio periférico que apenas está para quem, de muito em muito tempo, ainda precisa de a subir.É tarde e eu vejo luzes que afectam cada esquina da cidade dos meus sonhos. São cafés que ocupam edifícios seculares de onde chega o som do violino áspero, são restaurantes indianos, os neons eternamente danificados. Piscam e uma pessoa associa-lhes, por algum motivo, a decadência, a falta de clientela e passa ao lado.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Coimbra, 3 de Dezembro de O8 | Dá-me só uns minutinhos...

Uma cura qualquer, um placebo que resultasse já seria subir um degrau ainda que gasto do uso. Uma cura parcial que resolvesse parcialmente qualquer parte disto já seria um degrau ainda que de um edifício periférico, não tão gasto do uso. Vislumbro na cidade cosmopolita que se admira, o desapego dos sorrisos que foram tudo o que eu sempre quis. Um abrir de lábios despreocupado, rasgado e genuíno na esquina da cidade que eu sempre quis. O pulsar da vida que um dia idealizei bate-me aqui no pulso tão nítido na distância. Porque é que se esvaziou em mim a garra e o desejo? Estou aqui parada á espera que emerjam todos os meus desejos aleatórios. Nem me apetece enumera-los.

Dá-me uns minutinhos. Se me deres uns minutinhos e não me interromperes o raciocínio, se me deixares dizer aquilo que ando aqui a remoer ao tempo prometo que me vou embora e não te vou perseguir nem nada. Não te ligo, não te escrevo mensagens. Se eu sentir que o que eu disse fez sentido e que me ouviste com aquelas expressões faciais das pessoas atentas, se a isso juntares um aceno com a cabeça para eu saber que estás a ouvir com respeito que mais que mereço pode ser que eu até abdique de criticar o que quer que seja que tenhas dicidido fazer da tua vida depois de mim.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Aveiro, 2 de Dezembro O8 | Coisas em que não pensei nem por um segundo a mais e agora vieram a correr atrás de mim...

Ainda ontem estava contigo no café a falar de uma das grandes questões do ser humano, não, não é uma das grandes questões do nosso tempo enquanto humanidade, é só uma das grandes questões dos nossos incontáveis e atormentados discursos de café que, a bem da verdade, é a única actividade que praticamos com regularidade e que levamos a sério. Se ao menos eu tivesse um texto por cada conversa...

Estavamos então a falar da diferença entre desistir por opção e sermos obrigados a abandonar alguma coisa por imposição - da saúde, do dinheiro, da outra tal pessoa. Escolher não querer é muito diferente de não poder escolher não querer.

Por este motivo, estranho e condenável, as pessoas passam grande parte da sua vida a lamentar a perda de coisas que um dia tiveram. No nosso caso, coisas que deixamos ir por vontade própria eu diria mesmo que empurramos pela porta fora para abrir espaço para oportunidades que nunca chegaram. Isto porque é sempre (sempre!) muito mais fácil destruir um castelo de cartas do que ergue-lo, isso toda a gente sabe. Agora que não temos o conforto e a estabilidade que odiámos tanto, não temos mais nada. Agora que somos livres isso não serve para nada, agora que não temos nem responsabilidades nem horários, nem a prisão tão cerrada de uma condição física alienante, parece que trocávamos tudo por uma semana nessa angústia que afinal não era angústia nenhuma.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Aveiro, 1 de Dezembro O8 | ... e já não senti nada...

Vou experimentando com as palmas das mãos abertas o pedaço de cama á minha volta a ver se encontro o telemóvel para ver as horas. Se pudesse dormia o resto da vida com o peso de todo o cansaço de toda a gente que anda para lá e para cá numa dessas cidades que alguns têm o prazer de arrebatar. Os bonitos. Não os bons e nem os ricos - não os filantropos, não os políticos nem os grandes retalhistas, nem os senhores com motorista nem as senhoras com casacos de pele verdadeira a quem deviamos também abrir um corte fininho nas costas, de um ombro ao outro, e puxar para baixo a pele como quem arranca um poster de um prédio com as ganas de se ser contra o que lá está escrito. Lá estou eu a frustrar a minha própria linha de raciocínio.

É isto o que hoje me diminui: a vontade de usurpar o que é devido e convencionado, levar tudo comigo num passo largo, destemido e concluso, interromper com a precisão e a infalibilidade de um bisturi os pensamentos de toda a gente e que toda a gente não se lembre sequer da sua vida anterior (ou se a quer) durantes os breves minutos em que me vê ou me ouve ou me lê. É a esta impossibilidade que atribuo o meu estado actual de desespero puro que não sei que mais lhe chamar. Talvez desesperança. Oh, o ávido litígio pela verdade acessória das coisas. Para quê? Quem nos contagiou com esta epidemia da consciência?... Cada um tem A sua verdade (assim mesmo, com letra maiúscula), a mais determinante, aquela a que não podemos escapar, aquela a que reservamos especial ranço e rancor e mesmo assim arranjamos tempo para a considerar como se não fosse já um dado adquirido. Vamos lá revestir a nossa triste condição de mais um "se" ou um "mas".

A minha triste condição já não tem atenuantes. O que eu tenho é estas frases na cabeça, permanentemente, estas frases, expressões que qualificam o que é médio - aceitável, razoável, suficiente,"bonzinho". Ir andando na vida sabendo que não faço a mais mísera, a mais raquítica, a mais insondável diferença.

domingo, 30 de novembro de 2008

Aveiro, 30 de Novembro O8 | De volta á cidade das minhas luzes...

Indefinidamente procura-se isto, procura-se aquilo, perseguem-se dias iguais aos anteriores a achar que corremos para a realização de um objectivo, a achar que aquele reconhecimento daquele homem, daquela mulher, aquela viagem, aquele vestido, aquele Sábado á noite é que vai fazer a diferença. Esse sim. Essa tal coisa banal na qual delegamos toda a responsabilidade de nos surpreender, essa tal coisa que, por alguma razão que ninguém sabe, vai ser o "a-ah" das nossas vidas. Deixem-me dissolver desde já o benevolente mistério: nunca é. Fabricamos motivos para nos arrastarmos por mais uma semana, considerando e orquestrando com estranho afinco uma mudança para próximo mês ou para "os meus anos" ou "nos teus anos", depois do Ano Novo, "a partir do Natal". Uma mudança para a qual marcamos datas específicas porque não as conseguimos começar... como hei-de dizer... vá, ... agora. Sim, porque esperar por acontecimentos aleatórios, sobre os quais temos pouca ou nenhuma influência no seu desenrolar é imaturidade ou é preguiça (na melhor das hipóteses). Há momentos que nos mudam a vida mas a vida que já nos ocupa faz-nos voltar a procurar outros momentos, outros dias, outros tipos de luz que iluminem outros rostos em outras salas, só para descobrir que afinal também não era nada disto que querimos ter pedido para jantar.

sábado, 29 de novembro de 2008

Em Paris...

De Le Peletier em direcção ao Palais Royal para ver o Louvre. No caminho, as esplanadas tomaram-me o olhar, são tantas e tão diferentes, todas antigas, mas todas diferentes. O café M, onde parei, é meio negro, meio alaranjado nas paredes. Fiquei cá fora a ouvir Piaf nas colunas. A sério que se passou assim: passava Piaf no primeiro sítio onde parei.
As mesas cá fora são de madeira e os bancos de verga entrançada. Pendurada por cima de cada mesa está uma resistência que me aquece por inteiro, como aquelas das casas de banho. Sabe-me sempre tão bem o calor, qualquer um. Este então, nesta cidade tão fria, independentemente de toda a gente, de todos os segredos, de todo o sangue, da grande parte da História e das estórias que lhe pertecem.
Os pequenos arbustos estão por todo o lado - estão mesmo quase em cima das mesas, nos canteiros que ajudam a praça a tornear os seus limites.
Gosto de Paris porque se come tarde, porque se vive o dia vivo até mais tarde, porque às dez ainda posso ir lá abaixo ao mini mercdo da fruta. Porque se fuma muito. Porque nada precisa de frigorífico com o tempo que está.

Tudo é verde e bordeau, o chá é servido em bolsinhas toscas de sarrapilheira e o açúcar é prensado em forma de corações, áses de ouros e flores de lis.
Tenho uma admiração renovada por quem cortou com esta cidade os laços do que aqui lhes poderia ter acontecido.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Coimbra, 25 de Novembro 08 | Calor soviético...

... Ás 8 da manhã eu já toda acordada a pensar no teste de Géneros Jornalísticos. Um filme antigo, é o que se sabe. Qual? Um artigo para um editorial específico do jornal - Mundo?, Hoje?, Destaque?, Media? -, uma peça - Uma crónica?, Uma notícia breve? - De quantos caracteres?

Está um frio horrível e eu não tenho cachecol e estou com dores de garganta, pego num casaco mais fininho e ponho á volta do pescoço. A subir a rua que é uma rua a subir muito, o vento fustiga-me os olhos, não sei para que é que os pintei, o nariz fica vermelho e os lábios partidos e crespos, as mãos frias e o cabelo gelado. O nariz a fungar e tu "Bom dia". Hás-de estar gelado com esse cabelo molhado a tapar-te parcialmente as orelhas. Meu Deus que vento!

Digo-te aquele tipo de frases completamente estéreis:
- Já estou cansada e ainda mal acordei.
- Vou buscar um café, anda comigo lá a cima.

Eu quis dizer que ia mas como as mulheres têm sempre a mania de ser fazer de difíceis e eu, sou, de facto, uma rapariga, raça que desprezo mais do que admiro, disse:

- Vou ficar aqui com a Vanessa a dividir um cigarrito.

E, não contente com a minha asneira (mas consciente dela), acrescento, pioro e sorrio:

- Não queres trazer um para mim?

O frio que me rasga os tendões do pulso é o mesmo que nos faz tentar lembrar dos nomes dos ossos dos dedos. Os picos que sinto nos poros das pernas são aqueles de quando estamos na piscina horas a fio porque somos pequenos e parvos e preferimos ficar roxos que parar quietos ao sol. Doem-me os ombros e os rins de estar tão comprimida dentro dos meus próprios músculos. Estou sempre a apertar o tronco entre os dois braços e a cruzar e descruzar as pernas e esfregar as mãos uma na outra e depois nas coxas e depois entalo-as no meio das pernas. O outro frio é o dos diálogos interiores e unilaterais que vou entremeando com a minha própria consciência ou então sozinha mas com outras pessoas, que conheço, e vou propondo frases e contrapondo respostas que essas pessoas nunca me deram. Por vezes até falo alto a fazer isto. Imagino o que me diriam se eu dissesse. Mas raramente digo. E dou entoação aos dois discursos baseando-me naquilo que acho conhecer do meu oponente. Antecipo a sua participação na conversa e depois falo eu. O estúpido é que raramente nos ensaiamos para aquelas respostas severas que não queremos ouvir, as únicas para as quais seria sensato (mas não útil) estar preparado.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Coimbra, 24 de Novembro | Aquela estranha noite - I

Lotação esgotada em todos os sítios do costume. Viemos aqui ter para ver tanta gente e não ouvir ninguém. Toda a gente sorri (nunca vou saber porquê) e a música a fazer ricochete na minha caixa torácica, o beat grave a pulsar na jugular como se tivesse subido muitas escadas a correr com pressa de chegar a algum sítio merecedor. Já nem me lembro a última vez que corri com vontade para alguém ou algum sítio. Para ti nunca corri porque não gostas de demonstrações públicas de afecto, aquilo a que chamas sem pensar (ou a pensar?) “figuras tristes”. Ao pé das colunas, as pessoas berram para se entenderem e não falam olhos nos olhos falam boca na orelha e riem-se com a impossibilidade de comunicarem. As luzes, as que há, piscam a uma velocidade horrível e eu vejo-te intermitentemente. Vejo aos soluços um corpo ora brilhante ora ausente e durante uns segundos penso que, provavelmente (e por agora) estamos bem assim. Mesmo assim, sem distinguirmos um ao outro os contornos.

domingo, 23 de novembro de 2008

Aveiro, 23 de Novembro 08 | Words of sunday morning...

... Depois de outro Sábado, barulhento e esgotado em todos os sítios e de todos os ângulos, é a apreensão que vem substituir a morrinha laça dos Domingos dos outros ditos saudáveis . De mim ausente, principio mais um exame de consciência. Não fica uma ferramenta mais útil com o tempo porque eu nunca conto a mim mesma todas as partes da história. Umas estão debaixo de uma luz constante e quente, outras estão do lado oposto do passeio e espero que não venham perguntar-me como vai a vida.

Vou comer ao meu sítio de sempre ( até quando irei lá para me sentir em casa?), a faltar muito pouco para as quatro da tarde como sempre.
- Posso sentar-me?
(a tua mão desce pelo meu braço até á minha mão e apertas a minha palma em concha entre o polegar e os outros dedos)
- Onde quiseres.
Não sei como é que nunca soubemos dar-nos uma outra tentativa. Quando me chamaste ao armazém achei que estava prestes a ouvir um sermão de um amigo "happly married", adulto e seguro. Nada disso. O meu medo não tinha razão de ser. Agora tem. Estou assustada por ter a certeza que é possível, por tão pouco, delegar ao tempo a missão de nos fazer felizes. Sem pensar mais nisso como quando se contrata um contabilista e achamos que isso é sinónimo de não termos mais problemas financeiros. Entreguei-te ao tempo. Não tenho dúvidas que te entreguei ao tempo e tu também me entregaste ao tempo mas a um tempo perdido que tu já não conjugas. Um tempo diferente do meu que afinal continuo a contar a nossa história no condicional.

O que é que o tempo vai fazer contigo não sei, espero que te faça um pouco mais egoísta e egocêntrico. Não espero viver para ver o dia em que me digas que já não te lembras de ter trabalhado na redacção de um jornal.

sábado, 22 de novembro de 2008

Aveiro, 22 de Novembro 08 | A boneca

Quando a vejo a correr-me para os braços esqueço grande parte se não mesmo todas as neuras, todos os desgostos, todos os "quases" e todos os objectivos da semana que eu deixei a meio erradamente embriegada pela minha aparente juventude, confiante na eternidade das horas. Ela é completamente despreocupada e imperfeita a pintar, e borra os cadernos novos com a borracha porque ainda não sabe que o lápis se apaga com a fricção enérgica da borracha contra o papel. E escreve por cima e não se percebe nada. E carrega muito nas canetas como eu ainda faço hoje. A Mafalada também quer por flores no cabelo e fugiu-me com o meu gancho preto com uma rosa preta e diz que é dela agora. A genética é só mais uma realidade incontornável. A minha irmã é igual a mim em algumas coisas e eu não gosto de mim metade do que gosto dela. No outro dia agarrei-lhe os braços com força e fi-la prometer que vai sempre gostar dela própria. Acho que a assustei.

Queria poder salvaguardá-la de um amor não correspondido, queria que ela nunca tivesse que ter certas certezas déspotas e inúteis.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Coimbra, 21 de Novembro | Ter nas banalidades companhia...

... Quando sai deixei-te a dormir. Dormias o sono dos justos e por muito que te quisesse acordar para o meu revestimento dos mesmos factos, não sei resistir a um paradoxo. No caminho pensei na noite que passou, no quanto eu quis ler com olhos de interiorizar e estava sempre a perder o fio á meada e o quanto isso me irritou (ontem?).

A tua presença é tão rara que só com sincera hipocrisia inútil posso dizer que não estive todo o tempo a pensar nas baforadas do teu cigarro (o que me mata é que exalas o fumo e ouve-se). Sei que existes longe de mim. Sei que te ausentas mas és tu na mesma, no teu dia-a-dia também escolhes o que vestir ás três pancadas, antes de abrir a janela e reutilizas 3 quartos da indumentária do dia anterior, mais peça menos peça. E ligas o computador enquanto preparas cereais e aqueces o leite no micro-ondas. E procuras os cigarros nos bolsos das tuas calças de fazenda fininha. Também sei que no Inverno vestes calças de pijama por baixo das calças de ganga (entretanto ainda não te vestiste). Pegas nos cereais e vens-te sentar á frente do computador. Os teus olhos parecem as junções das persianas com aqueles espaços minúsculas, horizontais recortados no plástico que dixam entrar o sol intermitentemente. Tu foste uma expressão truncada que eu tomei por resumo do diálogo. Foste a pestana que faz a palpebra doer mesmo depois de a termos tirado de lá com um guardanapo com a ponta enrolada. Vejo-te sempre lembrar-me que quando peco, peco por excesso.

E da tua cama, com a ponta do cobertor como cúmplice obediente da minha vigília, vejo-te na casa de banho, a porta entreaberta: com uma mão seguras as madeixas do teu cabelo empastado da cama por cima da testa e com a outra molhas só a ponta dos dedos e passas nos olhos. Só para não parecer mal. Não sei porque é que insistes em não acordar a sério. Que venha agora a cavalaria das outras penas que diante da pena de não te ter, não são pena nehuma.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Coimbra, 20 de Novembro 08 | "Um fio de fumo nos confins da escada..."

Estamos assim, confortáveis na ignorância que não o é e hábeis manuseadores de situações delicadas que também o vão sendo cada vez menos. Peritos em manobras de diversão, é o que é.
Que bom foi inalar pela primeira vez o cheiro deste quarto, da tua camisola, da fronha da almofada que tem o cheiro do shampoo por tomares sempre banho á noite.
Eu aqui e tu ai, tu a carregar frenéticamente nas letras do teclado (quando eu escrevo não se ouve tanto), tu com os olhos semi-cerrados do cansaço que não assumes. Imagino o quanto te deve apetecer dormir.
Subi para ler um pouco bem sei que me desconcentro com facilidade quando não quero ler o que estou a ler. Nem quero ler. Ponto. Em breve (tu a fumar á janela) vais subir e eu vou estar já muito mais perto de ti do que a distância que vai do teu tronco ao meu quando finalmente subires.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Coimbra, 19 de Novembro 08 | spending the night together?

Ontem quando subi para me deitar tu ainda ficaste no computador...a luz do ecrã a iluminar-te os papos debaixo dos olhos. Ficaste no meu sofá antigo e desconfortável com as costas na parede e o queixo dobrado por cima do pescoço. Duvido que estejas bem assim.
( -Estás bem assim?
- Estou. )
E se um dia eu deixasse cair um copo e aproveitasse o teu susto? Punha um ar afectado e, escandalizada, perguntava porque é que preciso de partir coisas para olhares para mim. Iamos rir-nos os dois, com sorrisos rasgados, de mais um episódio da minha angustia velada. Porque nos queixamos um do outro com ironias e sarcasmos, discutimos com entoação de brincadeira para não nos levarmos demasiado a sério e termos que discutir a sério e analisarmo-nos a sério. De um lado a tua desconfiança de outro a minha descrença que é o mesmo que dizer, "uma mão cheia de nada outra cheia de coisa nenhuma".

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Coimbra, 18 de Novembro 08 | My friends and my friends and my car and my friends...

Já era tempo de abandonar a preguiça e as desculpas e pegar num carro. Guiei duas horas, sem dificuldades de maior, estacionei, dei "a esquerda á placa" nas rotundas e "não pisei nem transpus a linha longitudinal contínua". Ás oito da manhã do próximo dia 25 tenho mais uma aula. Pelo que disse o instrutor, "agora é só aperfeiçoar". Quanto mais rápido melhor. Só não tenho pressa para fazer ponto de embraiagem nas ruas da Sé Velha. Não é fácil aguentar duas forças, há sempre a probabilidade mais que provável de me deixar descair de novo até ao início da subida. Eventualmente, terei que a subir. Com certeza que me vai saber bem subir a rua e olhar as dificuldades lá de cima. Como quem abandona o caos e prossegue numa rua mais ampla, mais segura, mais recta.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Coimbra, 17 de Novembro 08 | "Os cínicos não servem para este ofício"...

" É um erro escrever sobre alguém com quem não se partilhou pelo menos um fragmento de vida", uma sábia frase de Ryszard Kapuscinsky (com acento no "s" e no "n", grafia não contemplada no nosso sofware), reporter polaco, que não acredita que se possa ser bom jornalista sem ser, primeiro, um bom ser humano. Não é possível refutar. O meu professor de televisão dizia que não precisa de jornalistas que não se compadeçam das crianças que todos os dias se deitam com fome sem perspectivas de uma manhã melhor. Não precisa de quem não chore, de quem despreze a importância do contacto humano. Quando o jornalista deixa de querer ouvir o dono de uma tasquinha em Trás-os-Montes para ouvir o dono de uma cadeia de supermercados norte-americana ...

Este é o tipo de assuntos que não acabam mais. Vou continuar a conversa com alguém mais da tasquinha e menos da multinacional.

domingo, 16 de novembro de 2008

Coimbra, 16 de Novembro 08 | Tinha de ti outra ideia...


Não te fazia tão linear, tão compartimentado. Eras do tipo de ir a net ler a letra de uma música - se eu cantei uma certa parte sem cantar as outras partes era porque aquela parte queria dizer alguma coisa e tu querias saber. Não te conheci a achar que havia limites na expressão. Já te vi a correr para não perder o fogo de artifício da festa da tua vila. Já te tive de mão dada a tentar descobrir portas de prédios abertas para subirmos aos telhados. Um dia esperámos na praia que chovesse. E como era Verão choveu aquela chuva que vem lenta, os pingos caem espaçados, mais ou menos de 3 em 3 segundos, e fazem baraulho quando batem nos passeios de madeira que levam as pessoas aos bares da praia e nunca está frio nenhum. E quando começa a chover não são pingos que caem, são cordas de água, que nos ensopam em três tempos.
Lá porque os textos são sobre ti não quer dizer que não possam ser sobre ti ...

Todos os textos têm um alguém. Não me parece ser teu direito opinar sobre o meu alguém. Se não fosses tu a dizer, nem me lembrava que eras tu o alguém destes textos.

sábado, 15 de novembro de 2008

Aveiro, 15 de Novembro 08 | Arritemia sem ser figura de estilo

Iniciaste o telefonema a dizer "olha mor..." sem que essa expressão me fosse conscientemente dirigida. Nem tiveste noção, nem voltaste atrás, não corrigiste, não pediste desculpa. Nisto dá-se aquele estalo da realidade. Lá esta a expressão, gasta do uso.
Segui o meu caminho na ponte que antecipa o Largo da Portagem, quem chega de Santa Clara. O grande plano do largo onde me sento 80% das minhas tardes e isso são vários dias de várias semanas. E isso são também horas e minutos, e pessoas, e conversas, e livros com os cantos dobrados e frases sublinhadas, dias de vento e diálogos fugazes com pessoal de Erasmus e os turistas alemães (e eu a tentar muito custo lembrar-me de quatro ou cinco palavras e o pessoal a rir-se de mim que não quer crer que eu nao esteja só a inventar sons). São piadas de café, verdadeiro sketch material, e são as imperdíveis conversas das senhoras mais velhotas da mesa ao lado que discordam veementemente da Tv 7 dias e explicam porque é que sabem mais que a revista sobre a vida do Cristiano Rolando. É tudo terrivelmente mais do que hoje me é permitido descrever-te.
Depois de tentar controlar a arritemia, da qual sofro clinicamente, subi o Quebra Costas, pus na mala um casaco e o computador e voltei a descer para a estação. Dali a uma hora estava em Aveiro. Escolhi aquele dia como pudia ter escolhido outro qualquer. Semanalmente, arquitecto dezenas de mudanças ás quais juro fidelidade. Quando mais pondero menos faço.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Coimbra, 14 de Novembro de 08 | Mais conversinha sem jeito nenhum...

... E seguiste despreocupado com a tua a conversa enervante:
- Então e tenho que ter um cartão desses?
- Ou isso ou um MB net
( Explico: O MB net é um cartão criado exclusivamente para compras na Internet que tu carregas com o dinheiro que quiseres que pode até ser só aquele que precisas para fazer essa compra)
- E isso quanto custa?
- Não faço ideia. Falo com a minha mãe e depois digo-te.
- Está bem. Quando puderes. Obrigado. Beijo.
(O QUE É QUE EU TE DIGO?!)
- Até logo.
...Nisto tudo, tu, logo tu que nunca tiveste jeito nenhum com as palavras. Tu que nunca conseguiste erguer uma argumentação. Tu, contra quem nunca tive que me esforçar para fazer prevalecer o meu ponto de vista. Tu, francamente fechado e autoritário que num momento mais útil que este, nunca tiveste sobre mim qualquer domínio.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Coimbra, 13 de Novembro 08 | Conversas frias ...


Nunca mais tive os sonos reparadores que tinha antigamente. Nem agora, nesta casa nova, virada á Sé Velha, com colchão de pessoa e meia assente no chão á moda dos lofts nova-iorquinos. Pagava para me dizerem de que é que preciso porque não sei. É um grão na engrenagem que não sei como lá foi parar nem sei como de lá o tirar. Ligaste-me e puseste-te a enrolar, a enrolar com conversas com utilidade prática. Uma conversa tão verdadeira que não pude reconhecer-lhe um interesse velado, não pude reconhecer-lhe nada além do que foi.
- Quando compraste aquelas sapatilhas pela net pediram-te o código de segurança do cartão de crédito?
- Pediram.
- O que é isso? Só vejo aqui um número grande, separado de quatro em quatro. É o último?
(Porque é que haveria de ser o último?)
- O que tu tens é um cartão de débito e não de crédito.
- Ah… o quê?
- Sucede que só podes fazer contas na internet com um cartão de crédito, sabes, aqueles com que fazes compras e só pagas no fim do mês uma percentagem pré-estabelecida sobre o montante gasto.
(Fiz de forma a ouvir-te dizer: )
- O quê Ana? Pareces a tua mãe.
( Oh Deus a falta que me faz o conforto de ter que te explicar tudo. Por estes dias contento-me em ser o teu entreposto com a Caixa Geral de Depósitos, onde a minha mãe trabalha).